sexta-feira, 24 de abril de 2009

As portas que Abril abriu...

Ontem enquanto ajudava meu filho a fazer os trabalhos de casa, deparei-me com este belo poema de Ary dos Santos, a propósito do 25 de Abril, e as portas que o mesmo abriu.
Por ser muito extenso, cortei algumas partes, mas quem quiser saber o resto facilmente
poderá encontrar todo o poema numa pesquisa na net.
Tinha apenas 4 anos quando se deu a revolução. Tenho apenas na lembrança, minha mãe
dizer a meu pai, muito aflita, quando este chegou a casa do trabalho,
que estava a acontecer uma revolução.
E agora, todos os anos, o país recorda como os homens corajosos do 25 de Abril,
libertaram todo o país da opressão, da escravidão, da podridão, da corrupção…
Mas basta olhar para o Portugal de hoje e perguntar: as portas que Abril abriu,
não estarão já hoje meio cerradas?...
O povo e os militares corajosos que fizeram uma revolução não de tiros, mas sim de
cravos, não fariam falta nos dias de hoje?

E sem mais dizer, deixo-vos então o poema: “As portas que Abril abriu”:



Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
(…)
Um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.

Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado.

Onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado.

Onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.

Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado.

Pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado.

Que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.
(…)
Vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.

Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões

Um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.

Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.

Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.

Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.

Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão.

Esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.
(…)
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.

Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão.

Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa.

Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis.

Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
(…)
Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
– é força revolucionária!

Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.

Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.

E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras.

Desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.

E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam.

A hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.
(…)
E o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração.
(…)
Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver.

Este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler

Que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.

Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.

E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.
(…)
Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.

Mas eram olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.

E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.

José Carlos Ary dos Santos
Lisboa, Julho-Agosto de 1975



segunda-feira, 6 de abril de 2009

Tenho saudades...

Tenho saudades da minha aldeia, que é também meu refúgio.
Tenho saudades do rio que corre sem parar, como se tivesse pressa para no mar desaguar…
Tenho saudades do vento que feliz percorre montes e vales. Invejo até a sua liberdade; nada o detém, nada o prende e pode ir para lá do horizonte…
Tenho saudades da brisa fresca da manhã, e da brisa calorenta da tarde.
Tenho saudades das noites de luar, em que o céu não pára de brilhar, e o Universo não pára de nos espantar.
Tenho saudades das estrelas-cadentes que velozes deslizam no céu nocturno.
Tenho saudades do chilrear desenfreado dos pássaros, nesta altura da Primavera.
Tenho saudades das cegonhas no campanário.
Tenho saudades das flores que despertam depois do longo Inverno, e deixam no ar o seu suave perfume.
Tenho saudades das ruas, das casas de xisto, dos passeios romanos ancestrais. Do cruzeiro à volta da estrada, do pelourinho imponente e vaidoso, da igreja mais bela de Portugal.
Tenho saudades dos passeios a pé e das paisagens maravilhosas.
Tenho saudades do ar puro e das faces rosadas que só o campo nos faz.
Tenho saudades da paz que aí sinto. Do sossego e do silêncio que me envolve.
Aqui sempre encontro a tranquilidade necessária para restabelecer forças físicas e mentais. Aqui sempre encontro a esperança que pareço já ter perdido, e a coragem para continuar.
Tenho saudades, simplesmente, de mais uma vez lá voltar…