sábado, 24 de março de 2012

Uma mãe muito chata...

Todos nos lembramos, com certeza, da primeira viagem que fizemos sozinhos.
Eu lembro-me perfeitamente. Devia ter para aí uns 11 anos, quando meus pais se lembraram de me enviar para uma colónia de férias.
E lá fui eu, contrariada, de autocarro, do Barreiro até Almoçageme, com uma data de miúdos que não conhecia de lado algum.
Mas lá acabei por fazer algumas amigas, e até me diverti.
O pior foi o regresso a casa. Ninguém conseguiu explicar porquê, ou como aconteceu, mas meteram-me no autocarro errado, e em vez de voltar para o Barreiro, fui parar a outra localidade distante. Só sei que fiquei uma eternidade à espera que minha mãe me fosse buscar. Lembro-me tão bem dessa angústia; passou-me tudo pela cabeça: que nunca mais iria voltar para casa, que meus pais já não me queriam mais, etc... Até me ocorreu que talvez fosse adoptada, e queriam ver-se livres de mim, lol…
Lembro-me perfeitamente de alguém estar a meu lado a dizer para não chorar, que não demoravam a chegar, mas qual quê… Quando se é criança, só ver para crer…
Esta foi a terrível experiência que tive quando viajei sózinha, pela primeira vez. No Verão seguinte, nem se atreveram a repetir a inscrição…
Quando se é criança e nos tiram a segurança a que estamos habituados e nos “lançam” ao Mundo sozinhos, pode ser uma experiência inesquecível, pela positiva, ou pela negativa…
E hoje foi a vez de meu filho. Terminadas as aulas, e na impossibilidade de eu o acompanhar, resolvemos em “Conselho Familiar”, que a criança com 12 anos, já tem idade suficiente para viajar sozinha. Assim, com uma semana de antecedência, comprei-lhe pela net o bilhete para a sua primeira aventura. Consegui-lhe um lugar mesmo à frente, ao pé do motorista.
Levei-o até Sete Rios, e aí procurámos o autocarro que o levaria até Castelo Branco, onde os avós o aguardariam à hora prevista.
Claro que as recomendações todas começaram logo na véspera, em casa: não aceites nada de comer ou beber de ninguém, não te ponhas a jogar no telemóvel, para não ficares sem bateria durante a viagem, não saias no Fratel, não saias na primeira paragem que fizerem em Castelo Branco. Só sais no Terminal, e só sais do autocarro quando vires o avô ou a avó, etc, etc…
Sinceramente não sei qual de nós estava mais nervoso por ele ir fazer esta viagem sozinho.
Ficou todo contente quando soube que ia Sábado para Salvaterra, mas quando soube que, desta vez, iria sozinho e de autocarro, o “homem” corajoso que sempre dizia ser, transformou-se num homem com dores de barriga e incertezas.
Quem o incentivou a ir, foi o sapinho verde, com o qual dorme há uns anos:
- Não tens de ter medo, Tiago. – “dizia-lhe” o sapo - Tua mãe nunca te meteria nisto se não fosse seguro. Basta entrares no autocarro, e no destino estarão teus avós à espera; não custa nada. Anda! Vamos os dois que eu também quero andar de autocarro pela primeira vez…
E foi assim que o “sapo” conseguiu arrancar-lhe uns sorrisos, para logo depois ser enfiado na mochila, bem lá no fundo. Ah, pois é! Pensavas que ias à janela, não era sapo? Não vês que o Tiago já é grande para ser visto com peluches?
Chegados à estação em Lisboa, foi procurar a pista de onde partiria o autocarro. Como também eu nunca tinha estado ali, andámos um pouco desorientados, e o meu único receio era metê-lo no autocarro errado, como me acontecera a mim.
Assim que o 33A chegou, foi ver as pessoas a juntarem-se para ver quem entrava primeiro. Não sei para que foi aquilo, se cada bilhete tem um lugar reservado…
Então reparei no papel colado no vidro: “33A – Braga”.
Braga? Braga é muito mais para cima e do lado oposto. Mas que raio fazia ali escrito “Braga”? Se eu tinha tirado bilhete Lisboa-Guarda?
Mostrei, então o bilhete que tinha ao motorista, o qual confirmou que era o autocarro certo. Eu desconfiada perguntei:
- Mas porque é que no vidro diz Braga? Devia dizer Guarda…
Ele explicou, no meio de tanto barulho, que aquele autocarro iria até Castelo Branco e daí seguiria para Braga.
- Mas não era isso que dizia na net, quando tirei o bilhete. – insistia eu, cada vez mais desconfiada.
- Sr. motorista, tem a certeza que este bilhete é para este autocarro?
E como vi que ele estava prestes a perder a paciência, expliquei-lhe que era a primeira vez que estava ali, e que meu filho iria viajar sozinho.
Talvez por ver a minha preocupação, lá acalmou, e voltou a confirmar que era aquele o autocarro certo.
Mesmo assim, quando ele virou costas, perguntei a um senhor, que também estava para subir, se ia mesmo parar em Castelo Branco. É que mãe prevenida, vale por duas…
Quando o motorista começou a recolher os bilhetes, lá levou comigo outra vez. Enquanto cortava o bilhete, para dar uma parte à criança, aproveitei e disse-lhe:
- Oh, Sr motorista, queria pedir-lhe um favor…
Ele olhou para mim, meio desconfiado, como que a pensar: “mas que será, que esta quer agora…”
Então puxei de um papel que já levava escrito, onde lhe pedia que só deixasse sair a criança, no Terminal de Castelo Branco, e que só o deixasse ir com o avô, ou com a avó, cujos nomes mencionava no papel.
Ao ler o meu pedido, mudou completamente e respondeu:
- Olhe, só faço, porque a criança tem o mesmo apelido que eu…
Aí, desatámos a rir pela coincidência, e eu ainda lhe disse: “tá a ver, tá a zelar pela família”, lol…
Antes de entrar para o autocarro meu filho diz-me:
- Vá, mãe! Adeus! – e dá-me um beijo apressado.
- Vá, mãe, adeus??? Mas que raio de despedida Tiago. Dá cá um abraço e toma lá uma data de beijos.
“Não sei porquê”, entrou para o autocarro quase a correr…
Ainda deu tempo para apontar a matrícula e enviar um sms a meus pais, com a descrição do autocarro branco e cinzento. Só não tirei uma foto ao mesmo, porque parecia mal, lol…
Enquanto o motorista foi cumprimentar um colega, ainda entrei no autocarro e disse:
- Tiago? Não te esqueças que não podes sair no Fratel. Só no Terminal de Castelo Branco, e levas aí umas sandes, vê se comes…
Saí, logo apressada…
Quando finalmente o motorista entra e fecha a porta, era ver a mãe com o coração em sobressalto, tentando fazer uma cara despreocupada, dizendo adeus e mandando beijos ao seu rebento. Este, por sua vez, afundava-se no banco, e esboçava uns gestos de adeus muito rápidos, talvez para que ninguém percebesse que aquela era a sua mãe…

11 comentários:

Anónimo disse...

O Tiago sempre foi um adolescente sem medos nem receios,e com muita vontade,mas que nao dá o braço a troser...como mãe dele sempre te irás preocupar,sempre te irás questionar sobre as suas acções... mas o Tiago alem de tudo é um explorador nato,que nao tem medo de se aventurar em nada,mas que tem sempre um certo receio de...lol...ele é um grande Miudo,um grande filho...

João Celorico disse...

Boa amiga,
se eu tivesse tido uma mãe assim, tinha-a... rifado! Lol...

Nada disso, mãe é mãe e pai que é pai, também não escapa a esses tiques...
Se os pais soubessem as figuras que fazem e como deixam os seus entes queridos tão “encavacados” nestas situações, a coisa mudava de figura mas, como lá diz o outro “não era a mesma coisa” e enquanto não se soubesse que o rebento estava bem a salvo, quanto friozinho na barriga...
Verdade que os tempos que correm obrigam a mil cuidados e que por vezes não chegam mas, há que abrir mão da avezita e deixá-la bater um bocadinho as asas, se não... mas sempre com o olho nela!
Também eu, aos 10 anos, fui para a colónia balnear (em Santo Amaro de Oeiras- Forte de São João das Maias) e ainda hoje me lembro bem disso. Naquele tempo não havia telemóveis mas havia os postais com resposta paga e assim que eu recebia, só tinha que escrever no postal que ia anexo. Conheço razoavelmente a colónia de Almoçageme (da CUF). Os meus sobrinhos também lá estiveram.

Pessoalmente sempre tive alguma liberdade de acção mas fui-me habituando a não praticar excessos. Apesar de me poder socorrer dos préstimos do meu irmão e de saber que havia sempre alguém que me poderia valer, sempre gostei de me desenvencilhar por mim próprio. Por exemplo, na escola, só foram comigo aquando da 1ª matrícula. Depois fiquei em auto-gestão! Claro que isto não faz regra nem merece nenhuma medalha, é apenas uma constatação de facto!

Pena ele não ter podido fazer a viagem de comboio. Decerto, gostaria ainda mais!

Abraço,
João Celorico

Cristina disse...

Não sei porque escreveste anónimo, se na minha vida, de anónimo nada tiveste, bem pelo contrário. Mas respeito a tua vontade.
Conheceste-o nos seus 6 anos, lembraste? Num parque infantil, onde o cativaste desde o primeiro instante, desde a primeira brincadeira.
Entraste na sua vida sem que ninguém esperasse, e foste mais pai que o próprio pai.
Aturaste muitas birras, muitos amuos, levaste com problemas que vinham do passado, e continuaste ali, de mão estendida para ele. A ele nunca largaste a mão. Por tudo o que foste para ele, só tenho a agradecer-te.
E se hoje o conheces tão bem, foi por todo o tempo passado juntos, todo o tempo que lhe dedicaste e paciência que tiveste.
É verdade que nunca dá o braço a torcer, e isso deve-se a um orgulho, que eu espero desapareça à medida que for crescendo. Nunca demonstra medo, ainda que o sinta, porque tem de parecer um grande homem.
E apesar de ser um explorador nato, desta vez, ele ia receoso. Não sei bem o que receava, mas ao sair de casa ia dizendo: “adeus quarto”, “adeus casa”. Provavelmente teve os mesmos receios que eu tive na sua idade…
Ser mãe é ganhar preocupações para o resto da vida, pois só nos interessa a segurança, o bem-estar e a felicidade daquele a quem demos a vida. Chama-se a isso: amor de mãe; um amor incondicional, para o resto da vida…
Obrigada por tudo o que fizeste por ele.
Fica bem!

Cristina disse...

Olá amigo João,
Ainda bem que o Tiago não lê os comentários, pois com certeza concordaria consigo e rifava-me na hora, lol…
Mas antes uma mãe assim, que uma mãe despreocupada ou indiferente. Infelizmente, tenho tido vários exemplos desses “tipos” de mães, no meu local de trabalho. A essas sim, é que eu rifava.
De facto, a avezita, cada vez mais, quer voar sozinha, e ainda é apenas um passarinho despenado, lol… Está agora a entrar naquela fase parva da adolescência, em que tudo o que a mãe fizer ou disser em público, o envergonha. Mas se não fosse a mãe, enfim…
Pode ser que um dia venha a dar-me valor; lá para os 30 ou 40, ou quando ele próprio for pai.
Esta vida é um ciclo vicioso. No fundo o que ele está a começar a viver ou a experienciar, já todos passámos pelo mesmo, ou parecido.
Haja paciência, amor, dedicação e esperança que as sementes que hoje vamos plantando, venham um dia a dar belos frutos.
Deixá-los voar um bocadinho sozinhos, “colocá-los” em auto-gestão, deve ser feito sim, conforme as situações. Só assim conseguem enfrentar a vida sozinhos; afinal, a mãe não vai poder andar sempre atrás dele.
Quanto à viagem de comboio, essa fica para eu fazer com ele, um dia. Não é por não confiar no maquinista, lol, mas sim para recordar quando eu fazia a mesma viagem com os meus pais. Ia o tempo quase todo com a cabeça fora da janela, a ver as belas paisagens.
Parece que hoje o comboio tornou-se mais “moderno”. Segundo a minha amiga Ana, hoje as janelas já não abrem…
Realmente a nossa infância pode ter sido mais pobre, mas foi muito mais rica em experiências.
Um abraço.

Sandra disse...

Passando para deixar um carinho e desejar um feliz final de Domingo.
Venho devagar para não me cansar.
Os amigos sempre estão dentro do coração..


Agradecer pela sua presença.
A amizade é um sentimento sublime, puro e verdadeiro, para possuí-la não é preciso ser rico nem pobre, ter posses ou não. A Amizade é um dom, sentimento nobre que une as pessoas, sinal de confiança integra e recíproca, sem ela não há humanidade, sem ela não há o mundo, pois tudo na vida se origina de uma amizade, mas ela exige um item muito importante, ela tem que ser verdadeira, caso contrário, não há amizade.
Carinhosamente,
Sandra

Anónimo disse...

:)
A minha primeira viagem sózinho foi de "fuga" e tinha a bonita idade de 8 anos!! :o) É verdade.
Fugi de Lisboa (onde vivia com a minha mãe) numa camionete de adeptos de futebol que me trouxe até ao Porto, onde procurei a casa dos meus avós :)))

Claro que ainda levei no "focinho"...mas a aventura levou (forçou) que a minha mãe, passados alguns meses, também viesse de vez para o Porto... o que eu sempre desejei, pois reagi muito mal à nossa ida para as bandas lisboetas.

Anos mais tarde... casado e já com filhos, autorizei o meu filho mais velho, na altura com 17 anos, a viajar até ao Luxemburgo para representar Portugal (juntamente com uma aluna de Lisboa), num encontro de estudantes dos paises da C.E., durante uma semana.

Lembro-me que era o único menor de 18 anos que estava autorizado, nos tempos livres, a andar sózinho, isto é, sem acompanhante da organização.

Mais recentemente, foi a vez da minha filha ir para fora no âmbito do programa "erasmus".

"Sofro" mais quando ao fim de semana pedem o carro para irem dar uma volta. :o)

Quem tem filhos....

;)

Tudo de bom.

João Celorico disse...

Olá, Cristina!

Venho aqui para lhe desejar e a todos os que lhe são queridos, uma Santa e Feliz Páscoa!

É bom que nos lembremos
ao carregar nossa cruz
que todos nós louvemos
ao Filho de Deus, Jesus!

E é tão simples, tudo isto!
A boa Páscoa é dar perdão,
lembrar a Paixão de Cristo
e louvar sua Ressurreição!

Abraço,
João Celorico

avelinorosa disse...

Parabéns. Adorei os textos. Mas,... tem de escrever mais!!!

Cristina disse...

Obrigada, caro Avelino.
Quando tiver mais tempo para mim, conto fazê-lo...
Um abraço e tudo de bom...

Petrus Monte Real disse...

Lembro-me de ter lido
a crónica
pela primeira vez.

Hoje
Li-a de novo
como se fosse
a primeira vez.

Emocionante!

E que tal um novo post?

Cristina disse...

Caro Petrus,
Agradeço o seu comentário.
Não sabia que ainda me liam, uma vez que o blog ficou parado no tempo...
Felizmente, não a minha vida...
As atribulações continuam, agora entre uma mãe e a fase complicada da adolescência... o amor a Salvaterra, esse, cada vez maior, e sem dúvida que se me pusesse de novo a escrever, muito teria que contar...
Agradeço o seu incentivo.
Desejo-lhe uma vida feliz, e com muitos bons momentos que lhe deixem eternas recordações...
Bem haja!