domingo, 31 de julho de 2011

Josés há muitos...

A pedido de meu primo, venho hoje fazer um pequeno reparo ao artigo que anteriormente publiquei, sobre a rota do contrabando.
Para que não haja confusão de nomes e identidades, fica então aqui o esclarecimento: em Salvaterra, e vivendo na mesma rua, existem 2 pessoas com os mesmos nomes: José Joaquim Rascão.
Dito assim o nome, tanto pode ser um, como outro. Só que na verdade, existe o José Joaquim Dias Rascão, e o José Joaquim Reis Rascão.
No texto que publiquei, bem como as fotos que juntei, o José que nos guiou pela dita rota, é o José Joaquim DIAS Rascão.
Assim, só me resta pedir desculpa por mais esta minha falha…

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A rota do contrabando, contada por experiência própria...

No fim-de-semana em que se realizou o eco-festival, realizou-se também mais uma “rota do contrabando”, e muito tenho a agradecer a José Joaquim Rascão, pela possibilidade que nos deu de o acompanhar. Foi uma experiência inesquecível, e que ficará para sempre na nossa memória.
Esta rota não foi apenas uma marcha de 6 Kms, foi uma marcha rumo a lembranças antigas; lembranças de tempos muito duros e conturbados, em que as gerações passadas, para se sustentarem, tiveram de recorrer à prática do contrabando, arriscando a própria vida. Sim, porque os “carabineros”, aparecendo de onde menos se esperava, faziam-lhes a vida negra…
Foram tempos de fome, miséria, sustos e tiros. Foram tempos em que uma sardinha, por exemplo, dava para muitos irmãos…
E nós (a geração actual) não fazemos sequer ideia do que passaram nossos pais e avós. Não crescemos habituados a ter tudo aquilo que queríamos, mas pelo menos não passámos fome. Dizem que a geração actual é a “geração à rasca”; coisa mais descabida, pois olhando para as gerações anteriores, essas sim, sobreviveram à rasca…
Mas iniciando o relato desta inesquecível aventura: depois de juntar para aí uns 20 participantes, partimos do adro em Salvaterra, na carrinha da Junta de Freguesia, e nos carros da QUERCUS, em direcção ao centro de Zarza la Mayor; privilégio que nossos antepassados nunca tiveram, pois faziam 4 kms a pé por caminhos difíceis e como ainda não existia ponte sobre o rio, passavam-no muitas vezes de Inverno, com água a transbordar as margens, com cordas de uma margem à outra. Um “desporto radical” bastante perigoso, que chegou a levar algumas vidas.
Chegados à Zarza, apeámo-nos e aí começou a nossa caminhada.
Começámos então, por observar na “Plaza Mayor”, a Igreja Paroquial de Sto. André, e compreendemos o porquê de um dos lados se encontrar destruído: porque no tempo do Marquês de Minas, e das guerras entre Portugal e Espanha, um certo dia (mais precisamente a 18 de Maio de 1644), quando os portugueses entraram pela Zarza dentro, os espanhóis preparavam na Igreja um barril de pólvora para receberem os portugueses. Só que o barril explodiu ali mesmo, tendo destruído parte da Igreja, que acabou por não ser reconstruída, para que nunca se esquecessem daquele trágico acidente, em que faleceram sob os escombros da mesma, mais de 300 pessoas.
Parámos na prisão onde ouvimos emocionados a história de quando a mãe, do nosso guia José, foi presa, no tempo da Guerra Civil Espanhola, e de como ele passava os dias agarrado à mão de sua mãe, através de uma janela com grades… Tempos de muita aflição!
Olhando para um dos edifícios na Praça, podemos observar um bem conservado brasão português, esculpido na parede; “recuerdos” de uma família portuguesa que aí viveu…
Um pouco mais à frente chegámos à praça onde se costuma fazer a largada dos touros e ficámos a saber porque todas as casas têm varandas: porque as pessoas que lá viviam, na altura das touradas aproveitavam e alugavam as varandas a quem quisesse assistir seguro.
Continuando o percurso, parámos no belo poço “La Conceja”, com umas colunas, onde o José nos explicou que na altura da Guerra Civil, também ficaram destruídas, e há poucos anos, 2 especialistas em trabalhar e esculpir a pedra, de Idanha-a-Nova, ofereceram a sua ajuda à Zarza para reconstituírem o poço, com o seu formato original, e conseguiram-no na perfeição, como se pode ver pela foto.
É bonito ver como dois povos outrora inimigos, estão agora unidos pelas mesmas causas, e até por laços familiares.
Do poço seguimos então por um longo caminho, que nos levaria ao famoso Castelo de Peñafiel.
Aqui começaria o nosso esforço físico. Eu bem que tentava acompanhar o José, que ia sempre à frente, pois só assim conseguia ouvir as histórias que ia contando, mas com a “pedalada” que levava, muitas delas não as ouvi.
As dificuldades do percurso e o cansaço iam sendo superados pelo companheirismo, pela boa disposição do grupo, e pelas belas paisagens ao virar de cada monte.
Passámos, então, pela Cruz dos Portugueses, lembrança esculpida em pedra; lembrança de antigos territórios portugueses…
E lá seguia o José sempre à frente, lembrando tempos antigos e com a sua enorme saca de serapilheira às costas, para exemplificar como os contrabandistas transportavam de 25 a 30 Kgs de café, até terras espanholas como a Zarza, Ceclavin, Acehuche e Garrovillas.
Os produtos podiam variar. Assim, levavam não só café, mas também: farinha, tripa de porco, pão, azeite, tecidos, sabão e até gado suíno e cavalar. Tudo coisas que escasseavam em terras espanholas.
Na volta traziam: bombazina, então mais conhecida por “pana”, chocolate, azeite e Ceregumil. Hum! Como me lembro dos chocolates e rebuçados que minha avó trazia de Espanha. O Ceregumil, esse, era bebê-lo às colheres. Hum! Como eram doces os sabores de minha infância.
Em qualquer viagem, a preocupação era evitar ser detectado pela Guarda Civil e salvar o que traziam.
E a nossa aventura continuava. Eu só pensava quando iria vê-lo… E ao virar de cada monte, pensava já poder avistá-lo, mas não, ainda teríamos de andar muito.
E o José sempre muito animado ia contando as suas histórias, para que não sentíssemos tanto o cansaço.
E enquanto a ele não chegávamos, íamos admirando a bela paisagem, que não se consegue descrever em palavras, e as fotos deixaram muito a desejar, sob o calor forte do Sol…
Andámos, andámos, andámos... Até que… lá estava ele, finalmente.
Agora sim, cada vez mais perto, e visto do lado da entrada, como nunca o tinha visto.
Há anos que o admirava lá de baixo do rio; há anos que ouvia histórias e lendas que escondia; há anos que sonhava lá poder entrar e imaginava como seria. Há anos que pedia para lá me levarem, e há anos que me diziam como era perigoso o território escarpado, cheio de buracos onde podíamos cair, e habitat de animais selvagens e perigosos, como touros, cobras, abutres, etc… E assim, restava-me apenas admirá-lo à distância: tão perto, mas tão inacessível e longínquo.
E lá cresci eu a fantasiar tesouros escondidos, caminhos secretos e histórias de encantar…
E depois de tantos anos à espera, poder entrar por aquela porta, foi como entrar num local mágico.
O castelo de Peñafiel, que tem como pedestal uma enorme encosta escarpada, tem nesse local uma varanda natural com vista privilegiada para todo o desfiladeiro. Outrora denominado “Castillo de Racha Rachel”, começou a ser construído no século IX, por muçulmanos, quando estes dominavam a Península Ibérica.
Só no século XII se tornou importante para controlar a fronteira.
Hoje não restam senão ruínas de tempos áureos, e mesmo que parte das suas muralhas tenham caído ao rio, mantém o seu porte imponente, podendo ser avistado a kms de distância.
Claro que a visita a este Castelo não fazia parte do percurso da rota do contrabando, mas com um pequeno desvio, o José enriqueceu em muito a nossa aventura.
O percurso para descer a escarpa do castelo até ao rio foi bastante difícil e perigoso. As silvas e outra vegetação, por vezes, chegavam a ter quase a nossa altura, não conseguíamos ver onde pisávamos e o chão de ervas secas tornava-se um autêntico escorrega.
E nós, todos em fila indiana, tentávamos acertar com os pés nos locais certos para não cair ou escorregar. Claro que, de vez em quando, lá dávamos um “bate cu”, eu inclusive. Felizmente ninguém se magoou, pois tivemos sempre a sorte de cair em terreno “almofadado” de palhas secas.
Mas tudo acabava por ser ultrapassado, pois caíamos e ficávamos a rir de nós próprios.
E parece que na descida, quando o percurso se tornou perigoso, é que a boa disposição aumentou, o que foi muito bom pois deu-nos ânimo para continuar.
E enquanto descia eu só pensava: “-Agora finalmente entendo, porque meu pai nunca se atreveu a me trazer até ao castelo…”
Mas lá conseguimos descer a encosta e chegar ao rio, onde nos reagrupámos. E que alegria por ter-mos conseguido. Que grande aventura!
Dizia o nosso guia: “-Preparai-vos , porque depois de atravessarmos o rio, vem aí uma subida muito difícil…”
Uma subida difícil? Para mim nada tinha sido mais difícil que a descida.
Ah! Que água fresquinha quando mergulhámos os pés quentes no Erges. Dava vontade de ficar ali com os pés de molho e a observar a bela paisagem. Mas tínhamos de nos fazer novamente ao caminho. Assim, passámos o rio, e finalmente em território português, fomos espreitar uma antiga azenha que outrora moeu muito trigo…
Começava agora a subida do monte. Ainda parámos na Fonte da Ribeira, que todos elogiavam por ter a água tão fresca. Durante muitos anos era aqui que o povo vinha buscar água para as suas casas, transportando-a à cabeça, ou em cântaras nos burros.
Realmente, em nada tiveram nossos antepassados a vida facilitada; era nisto que pensava enquanto ia subindo o monte.
Pensava ainda na minha avó que com uma rodilha à cabeça e em cima um alguidar cheio de roupa, fazia este mesmo percurso, para ir lavar a roupa nas águas límpidas do rio. Nunca ela imaginaria que daí a uns anos seria apenas necessário abrir uma porta, meter lá a roupa e carregar num botão, para sem esforço algum, a roupa sair de lá lavada.
Pela antiga estrada romana, subimos até à Caseta, onde fizemos mais uma paragem para reagrupar e retomar o fôlego. Aqui todo o nosso esforço foi premiado com um lindíssimo pôr-do-Sol, e sentimo-nos pessoas abençoadas por poder apreciar este belo espectáculo da natureza…
Aqui ouvimos mais umas histórias que o José tinha para contar. Este antigo posto da Guarda Fiscal, com uma visão panorâmica sobre toda a área, guarda muitas histórias…
Fizemo-nos novamente ao caminho, e já perto da vila podemos observar as furdas construídas em pedra e de forma cilíndrica.
Antes de entrar no adro da vila, reagrupámos novamente o grupo, descansámos um pouco, para que não nos vissem esbaforidos, e sob os olhares de quem por lá estava, entrámos orgulhosamente “frescos e airosos”, como se tivéssemos ido “só ali”…
Que grande aventura!
O José deu o exemplo a muitos de nós, mais jovens, pois foi operado este ano a um joelho, tendo-lhe sido colocada uma placa, que parece que lhe deu forças superiores para conseguir ir durante todo o percurso com a “pedalada” que ia.
“-O médico disse-me que passado um tempo poderia voltar a fazer a vida normal…” - dizia ele.
E já para o fim do percurso dizia sorridente: “-Tenho de dizer-lhe que a placa que me colocou, funciona na perfeição…”
E nós que o conseguimos acompanhar, só temos a desejar-lhe muitas mais caminhadas, e longos anos de vida para continuar a reavivar as histórias da raia, e passá-las às gerações mais novas…
Bem haja por tudo, José! Foi uma aventura que nunca, NUNCA esqueceremos…
Obrigada!