sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O rio Erges, em palavras...

Este rio que há séculos traça o seu percurso por entre serras e montes, por entre as pedras e a vegetação, é de uma beleza ímpar.

Aqui, onde ainda não chegou a poluição, e onde espero nunca chegue, podemos deslumbrar-nos com a magnífica paisagem, pela qual ele passa.

E como adoro este local; este rio que corre veloz no Inverno e de mansinho no Verão, lapidando há séculos os seixos e as rochas por onde passa.

Quando era criança, tinha medo de entrar na água, pois sentia as pedras escorregadias e com limo. Pensava que os peixinhos (que não fazem mal a ninguém) me iam picar, e que as cobras de água me iriam atacar… Meus avós diziam: “não tenhas medo, que aqui nada nos faz mal”… Mas quando se é criança, imaginamos tudo e mais alguma coisa que possa acontecer. Por isso, só a partir de uma certa idade, quando começamos a conhecer mais da vida, e a mudar de mentalidade, é que comecei a apreciar e a usufruir como deve ser, de toda esta beleza natural.

Agora, cada vez que lá vou, sento-me numa rocha com as pernas dentro de água e fico muito quieta… Logo vêm ter comigo pequenos peixes que me tocam nas pernas como que a explorar aquele novo e estranho território. E se me mexo, depressa se afastam com medo. Hoje são os peixes que têm medo de mim…

Aqui a água é tão limpa e pura, que podemos ver com clareza o fundo do rio (nas partes mais baixas, claro). Olho para o fundo e vasculho com o olhar à procura de seixos arredondados, para jogá-los ao rio, tentando fazer com que saltem várias vezes, ao bater na superfície da água. Mas não sou perita no “jogo” de fazer saltitar as pedras, e poucas vezes saltam, antes de mergulharem novamente na água cristalina do rio. No início, cheguei mesmo a acertar numa pessoa, tal era a falta de jeito, lol.

Ao final da tarde, temos uma sinfonia de vários sons de pássaros, insectos e rãs: é a natureza repleta de vida. O que mais fica no ouvido, é mesmo o alegre e estridente coaxar das rãs. Umas nas pedras, aproveitam o Sol que resta da tarde, outras mais tímidas, apenas espreitam mergulhadas na água. Olhamos para elas e apenas se vêem os olhos à tona da água. Observam-nas atentas, como que a pensar, que direito temos nós de estar ali a perturbar aquele espaço que é seu por direito.

Ao longo das margens, a riquíssima flora exala aromas que nos enchem as narinas e os pulmões, do mais puro oxigénio. Começo então a mergulhar na nostalgia de outros tempos, e “vejo” minha avó a pôr a roupa a corar nas margens do rio, e a esfregá-la depois nas pedras deste tanque gigante.

Só com sabão, Sol e a água deste rio, ela punha a roupa mais branca, que o mais eficaz dos detergentes de hoje em dia. Aliás, não há “OMO” que lave como a água deste rio…

Depois da roupa bem corada, esfregada e lavada, prendia uma corda ao tronco de duas árvores, e assim, improvisava um estendal onde a roupa ia secando. Enquanto isso, como naquela altura as casas não dispunham de casa de banho, e como quando queríamos tomar banho usávamos bacias, já que estávamos no rio, à espera que a roupa secasse, aproveitávamos e tomávamos banho com o mesmo sabão com que se lavava a roupa, naquela imensa banheira natural.

Embora hoje em dia, a água continue despoluída e límpida, não é como naquela altura, em que era ainda mais pura e cristalina. E como era bom tomar banho ao ar livre. Com tanto calor e o vento suave que sempre aqui corre, nem precisávamos de toalha, pois depressa secávamos. E como ficava sedoso o cabelo lavado nesta água, sem o calcário das torneiras de nossas casas modernas.

Ao passarem na minha memória estas cenas, que também fizeram parte do filme “aldeia da roupa branca”, dou por mim a cantarolar a música:

“Ó rio não te queixes,
Ai o sabão não mata,
Ai até lava os peixes,
Ai põe-nos cor de prata.
Três corpetes, um avental,
Sete fronhas, um lençol,
Três camisas do enxoval,
Que a freguesa deu ao rol.

Água fria, da ribeira,
Água fria que o sol aqueceu,
Velha aldeia, traga a ideia,
Roupa branca que a gente estendeu..."


E depois da roupa seca, as mulheres colocavam na cabeça uma rodilha e a trouxa de roupa, e faziam-se ao monte, tendo pela frente a dura subida do mesmo.

Tantos momentos felizes já testemunhou este rio… Felizes, mas também infelizes, pois muita gente o atravessou a pé para o outro lado, muitas vezes em pleno Inverno, para irem contrabandear a Espanha, pois era dura a vida nesta altura, e através do contrabando, sempre entrava mais algum dinheiro extra para as famílias com tantas bocas para alimentar (mas do contrabando falarei em pormenor noutra altura).

Quem aqui vier, não pode deixar de fazer o percurso a pé, e visitar mesmo em frente ao castelo de Penafiel, o majestoso barroco do “salto da cabra”, que vem como que um gigante lá debaixo do leito do rio, estendendo-se pela encosta acima, no comprimento de 100 metros e a altura de 20, semelhante a um navio de proa levantada.

Este é o local mais bonito do rio com enormes fragas formadas por rochedos escalvados, que se elevam a pique de ambas as margens do rio.

Este património exuberante e natural, faz hoje parte do primeiro Geoparque português, sob os auspícios da UNESCO.

As paisagens que este rio atravessa, ao longo de quilómetros, são avassaladoras e a riqueza botânica atinge o seu auge em Abril, sendo o refúgio temporário ou permanente, de mais de uma centena de espécies de aves de que se salientam, pelo seu porte, as aves de rapina e a cegonha-preta.

Este é o domínio das águias-reais, dos grifos e de outras aves que, lá do alto, espreitam as brincadeiras das lontras no rio.

É por toda esta diversidade biológica que grande parte do Erges desde a sua foz até Salvaterra do Extremo, se integra no Parque Natural do Tejo Internacional.


Este é um rio tipicamente mediterrânico que se transforma, em alguns locais, num deserto de seixos no Estio ou mostra toda a energia de um rio ainda selvagem, após grandes chuvadas. E é toda esta capacidade de erosão que formou três gargantas numa curta distância, sendo uma delas em Salvaterra, e garanto que quem lá conseguir chegar, nunca esquecerá a deslumbrante paisagem que o rio esculpiu nas rochas com o passar dos séculos…
Para quem aprecia e ama a natureza, não há local mais bonito para passear e se deslumbrar... Mas não se esqueçam de deixar o carro à porta de casa, calçar uns ténis, mochila às costas com farnel (que isto de andar muito, cansa e estes ares abrem o apetite, lol...) e a máquina fotográfica para depois mostrar aos amigos, as belas paisagens por onde passaram...

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