Ontem enquanto ajudava meu filho a fazer os trabalhos de casa, deparei-me com este belo poema de Ary dos Santos, a propósito do 25 de Abril, e as portas que o mesmo abriu.
Por ser muito extenso, cortei algumas partes, mas quem quiser saber o resto facilmente
Por ser muito extenso, cortei algumas partes, mas quem quiser saber o resto facilmente
poderá encontrar todo o poema numa pesquisa na net.
Tinha apenas 4 anos quando se deu a revolução. Tenho apenas na lembrança, minha mãe
Tinha apenas 4 anos quando se deu a revolução. Tenho apenas na lembrança, minha mãe
dizer a meu pai, muito aflita, quando este chegou a casa do trabalho,
que estava a acontecer uma revolução.
E agora, todos os anos, o país recorda como os homens corajosos do 25 de Abril,
E agora, todos os anos, o país recorda como os homens corajosos do 25 de Abril,
libertaram todo o país da opressão, da escravidão, da podridão, da corrupção…
Mas basta olhar para o Portugal de hoje e perguntar: as portas que Abril abriu,
Mas basta olhar para o Portugal de hoje e perguntar: as portas que Abril abriu,
não estarão já hoje meio cerradas?...
O povo e os militares corajosos que fizeram uma revolução não de tiros, mas sim de
O povo e os militares corajosos que fizeram uma revolução não de tiros, mas sim de
cravos, não fariam falta nos dias de hoje?
E sem mais dizer, deixo-vos então o poema: “As portas que Abril abriu”:
E sem mais dizer, deixo-vos então o poema: “As portas que Abril abriu”:
Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
(…)
Um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado.
Onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado.
Onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.
Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado.
Pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado.
Que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.
(…)
Vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.
Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
Um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.
Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão.
Esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.
(…)
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.
Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão.
Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa.
Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis.
Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
(…)
Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
– é força revolucionária!
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras.
Desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.
E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam.
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
(…)
Um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado.
Onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado.
Onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.
Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado.
Pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado.
Que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.
(…)
Vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.
Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
Um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.
Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão.
Esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.
(…)
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.
Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão.
Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa.
Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis.
Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
(…)
Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
– é força revolucionária!
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras.
Desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.
E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam.
A hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.
(…)
E o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração.
(…)
Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver.
Este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
Que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.
Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.
E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.
(…)
Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.
Mas eram olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.
E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.
José Carlos Ary dos Santos
Lisboa, Julho-Agosto de 1975
6 comentários:
Olá Cristina! Eu sou da geração de 74 (nasci nesse ano em Dezembro), por isso sinto-me muito ligada a esse dia. Existe uma coisa que digo muitas vezes, que gostava de ter uma máquina do tempo para nesse dia, ter sido uma mulher com possibilidade de entendimento, para poder ter vivido esse dia de perto!
Jokas
Sandra C.
Minha amiga,eu vivi esse dia e recordo-o com muita saudade.Concordo contigo quando questionas se algumas portas abertas nesse Abril não esrarão já hoje meio cerradas?...estão mesmo fechadas...e já vejo cada vez mais pessoas com muito medo de manifestar as suas opiniões.
Vamos comemorar Abril e lembrar este homem (Ary dos Santos)tentando não nos calar contra a muita podridão existente...
Um beijo e faz o favor de seres FELIZ
Ana Bernardo
OlÁ!
Venho conhecer o seue spaço depois de ler o comentário que deixou em um dos meus blogues.
Fico muito satisgeito por ver que, entre os menores de 45 anos a que me referi, também exisem pessoas como a Cristina, que têm uma boa noção do que era Portugal antes de 74.
Cumprimento-a e foi bom recordar o poema do Ary, pessoa que muita falta faz hoje. Era um dos tais homens de coragem!
Não podemos, cada um de nós deixar que as portas se encerrem a cadeado!
Um abraço e tudo de bom para si.
Jorge P.Guedes
Olá Cristina!Efectivamente é um grande e lindo poema! Porém, tal como a canção que diz que "Abril não é mais que uma cantiga" esperemos que "As portas que Abril abriu" não se torne em apenas mais um lindo poema! O facto é que coisas más que aconteciam antes do 25 de Abril estão aí de novo, só que agora disfarçadas, com outra roupagem, e algumas coisas boas já se foram, só nos ficou a saudade, que é coisa que não nos podem tirar!No entanto, não há que desanimar, a ESPERANÇA é a última a morrer! Se todos quisermos...
Felicidades e um bem-haja pelo poema,
João Celorico
Obrigada querida amiga Ana,
É pena não ter o seu próprio blog, para lá escrever meus comentários... Mas temos algo bem melhor que um blog: temos o dia-a-dia e a certeza de uma amizade sincera, com a qual sempre podemos contar.
Deixo-lhe um poema de Fernando Pessoa para meditar e nunca perder a esperança que a felicidade pode tardar, mas um dia chegará...
"Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!"
E como diz Bocage.... neste seu poema.
Liberdade, onde estás?...
Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim), porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?
Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh Venha … Oh Venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!
Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.
Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!
PS: e obrigada do post que me deixas-te no meu blog,...:-)
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